Saudade minha cidade

Cine Itapuã do Gama: Entre o sepultamento e a ressurreição

Espaço Cultural Cine Itapuã sofre deterioração em meio a debates e promessas de reforma. Atuante, a comunidade cobra ação do governo

Ana Cláudia Póvoa, da Redação do Artefato – 17/06/2016

Cadeiras quebradas, pintura totalmente desgastada, vidraças remendadas com pedaços de madeira, equipamentos de projeção sem condições de operação, salas tomadas por mofo. A cena poderia compor um filme de terror. Mas esta é a realidade de um ponto histórico da cultura brasiliense, o Centro Cultural Cine Itapuã, no Gama. Ele foi o segundo cinema a ser inaugurado no Distrito Federal e desde sua fundação, em 1963, já teve outros nomes como Cine Club e Cine Itapuã.

Nos primeiros anos de funcionamento, o cinema projetou filmes históricos e foi ponto de encontro de diversos artistas e moradores, fazendo parte da memória afetiva da população. Apesar disso, desde a década de 90 encontra-se abandonado. O ambiente está insalubre por estar há tanto tempo fechado — consequência do abandono e desprezo das autoridades do DF, situação constatada e divulgada já em 2014 pela equipe do jornal Artefato.

Ao longo de décadas, muito se falou sobre realizar reformas no local. Mas, na prática, o discurso de preservação nunca se confirmou. Audiências públicas e manifestações da comunidade pediram a revitalização do local, que faz parte da vida da cidade. De acordo com Wander Pereira Teles, assessor da Ouvidoria do Gabinete da Administração Regional do Gama — atual responsável pelo local — o Cine Itapuã esbarra na burocracia e no troca-troca de gestores. Segundo ele, a burocracia do tempo de elaboração até a aprovação do projeto prejudica o andamento da reforma.

Entre idas e vindas em função de mudanças nos gestores da administração, no momento o que existe é um estudo para o projeto de revitalização: o Quadro de Detalhamento da Despesa (QDD), que demonstra o orçamento previsto para a obra. Em 4 de abril de 2016, a Administração Regional do Gama assinou portaria conjunta com a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) transferindo o valor de R$ 257 mil para a elaboração do projeto de reforma do Centro Cultural Itapuã. A transferência foi publicada, em 6 de abril, no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) da portaria conjunta 1, pela qual descentraliza e desbloqueia o crédito para a reforma.

Parlamentares como Chico Leite, Chico Vigilante, Wasny e Reginaldo já destinaram verba. ”Não só pelo fato de ser administradora do Gama, mas como moradora da cidade, também me preocupo e anseio pela revitalização do local. Com esse objetivo busquei, junto aos parlamentares da Câmera Legislativa, recursos financeiros para serem utilizados exclusivamente nessa revitalização”, esclarece Maria Antônia R. Magalhães, Administradora do Gama.

A previsão da administração é de que o projeto de andamento da obra será executado em duas fases. O primeiro passo é revitalizar a área ao redor do local e o coreto da Praça do Cine Itapuã, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, e em seguida a parte interior do prédio. “A concepção arquitetônica obedece às correntes estéticas do modernismo, com a fachada livre, pé direito duplo no hall principal e linhas harmônicas buscando um domínio do espaço através de uma geometria. Isso lembra francamente a linguagem do neoplasticismo”, explica Rock Lane, gerente de Aprovação e Licenciamentos de Projetos da Administração do Gama. Com glamour ou não, o fato é que a população cobra o retorno das atividades do Cine Itapuã, um elefante branco que passa de mão em mão nas administrações.

Memórias

Hoje é fundamental humanizar o local, completamente abandonado e sem estrutura. Quando o local ainda funcionava, era palco não só de apresentações, mas de histórias antigas e memórias que faziam do Cine Itapuã um ponto de cultura. Artistas da cidade prejudicados, carentes de um lugar adequado para apresentações.

Ariomar da Luz Nogueira, formado em filosofia, história, arquitetura e urbanismo, é morador da cidade e uma das principais referências entre os produtores de cultura da cidade. Autor de 22 monumentos de arte espalhados pelo Gama, ele é considerado cidadão honorário de Brasília e se lembra dos bons tempos do lugar. “Frequentei o local quando eu tinha 16 anos. Nesse momento, despertei para o convívio cultural, pois esse espaço simboliza a sensibilidade de diferentes manifestações artísticas e já foi palco de artistas renomados”, recorda. Como cidadão, ele destaca a indignação que sente pelo estado de abandono do local: “A falta de interesse sociocultural em restaurar um patrimônio cultural prejudica toda a comunidade”

Maria Alice Alcântara é estudante do Centro 1 do Gama, mais conhecido como CG, local que já serviu para audiências públicas. Ela conta um pouco sobre a sua atuação nessas investidas da comunidade em prol do Espaço Cultural Cine Itapuã. “Já participei de reuniões com a comunidade para cobrar a revitalização do local. Meus pais me contam sobre a época que o cine funcionava, e eu tenho muita vontade de ver esse espaço aberto’’, relata a jovem.

Altervir Valdino Batista também é morador da cidade participa de movimentos e ressalta a importância do espaço para atividades comunitárias por proporcionar lazer e cultura para a população do Gama. Ele resgata memórias de infância que sempre estiveram ligadas à imagem do local. “Na infância lembro de assistir a muitas apresentações, encontrar amigos e brincar naquela praça”, relembra. Hoje, ele se entristece por não poder trazer os filhos para desfrutar da mesma experiência.

Memórias e nostalgias à parte, promessas não cumpridas também, o fato é que a comunidade e integrantes do conselho artístico da cidade cobram medidas eficazes para dar um final feliz ao filme triste que não parece ter data para terminar.

Confira nos vídeos abaixo mais informações sobre o Cine Itapuã:

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