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DF terá ambulatório voltado para travestis e transexuais na Asa Sul; entenda

Equipe terá psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas e assistentes sociais; ideia já existe em outros estados. DF ainda não tem tratamento hormonal gratuito; Creas tem fila de espera de 200 pessoas.

Por Mateus Rodrigues, G1 DF/Foto: Secretaria de Trabalho e Direitos Humanos do DF/Divulgação – 12/08/2017 – 15:15:18

Até o fim deste mês, travestis, homens e mulheres transexuais do Distrito Federal poderão buscar consultas, acompanhamento médico e assistência social em um ambulatório específico para ele, na Asa Sul. O espaço, denominado Ambulatório Trans, será inaugurado na próxima segunda (14), mas o atendimento só deve começar na semana seguinte.

O espaço já foi reservado no Hospital Dia, na 508/509 Sul, e os últimos detalhes da obra devem ser concluídos neste fim de semana. Entre quinta (10) e sexta (11), os profissionais convocados para a tarefa foram a São Paulo para conhecer o ambulatório de lá, em funcionamento desde 2010. Ao longo desta semana, os próprios médicos e gestores ajudaram a pintar e decorar o novo espaço.

“Essa é uma demanda do movimento LGBT há muito tempo, de que haja uma política integral de atenção a essa população”, diz o coordenador de diversidade da Secretaria de Trabalho e Direitos Humanos do governo do DF, Flávio Brebis.

Atualmente, a população de transexuais e travestis do DF tem um único espaço de acolhimento na rede pública – o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Diversidade, na 614 Sul.

O local oferece assistência social, jurídica e psicológica à população LGBT e a vítimas de discriminação étnico-racial e religiosa, mas não conta com atendimento médico. Hoje, o governo do DF tem mais de 200 transexuais e travestis na lista de espera por todos esses atendimentos.

Os casos de transfobia lideram as estatísticas de acolhimento no Creas da Diversidade do DF. Segundo dados do governo, foram 3.114 atendimentos em 2015, 1.684 em 2016 e 823 entre janeiro e abril deste ano. Nos três anos, os números superavam a soma das demais ocorrências (homofobia, lesbofobia e bifobia).

A escolha do Hospital Dia para abrigar o Ambulatório Trans foi feita após um estudo de logística, para facilitar o acesso do público-alvo. Flávio Brebis aproveitou a entrevista ao G1 para esclarecer que o atendimento não tem qualquer relação com o fornecimento dos medicamentos para portadores de HIV, que acontece na mesma unidade de saúde.

“Não tem a ver com o núcleo de HIV/Aids. É claro que existe esse preconceito contra os dois grupos, e essa correlação na mente das pessoas. Inclusive, a gente relutou em levar para lá, foi um ponto negativo, mas as instalações realmente eram as mais adequadas”, afirma.

A equipe do Ambulatório Trans deve ser formada, inicialmente, por psiquiatras, psicólogos, endocrinologistas e assistentes sociais – pelo menos dois profissionais de cada especialidade. Ao longo do tempo, urologistas, ginecologistas e médicos de outras especialidades devem se juntar ao grupo.

“Endocrinologia é um grande gargalo para a população trans, porque muitas pessoas se automedicam. É muito difícil, para eles e elas, recorrer ao serviço de saúde.”

“Uma das principais críticas é que a saúde tem muito problema, muita área crítica, e que estaríamos dando prioridade a alguém. Mas essa população precisa de atenção especial, de acolhimento, tem demandas específicas”, diz Brebis.

Assim como acontece na Delegacia Especializada de Combate à Intolerância (Decrin), criada em 2016, a ideia é que o atendimento de saúde para travestis e transexuais seja feito em rede. Os pacientes poderão ir diretamente ao ambulatório, ou ser encaminhados até lá por médicos da rede pública.

“Se o paciente já faz acompanhamento com algum médico, hoje, ele pode continuar esse tratamento por lá. A secretaria atende a todos, em todos os lugares. Às vezes, ele já tem um laço com aquele profissional”, diz o coordenador do grupo de trabalho do ambulatório e servidor da Secretaria de Saúde, Vittor Ibanes.

“A gente precisa que a rede, como um todo, tome conhecimento de que existe um Ambulatório Trans. Um médico de família vai cuidar do matriciamento, do mapeamento dessa demanda.”

Hormônios, só mais tarde

Por enquanto, os endocrinologistas do ambulatório farão apenas o acompanhamento e a orientação dos pacientes que já se submetem – por conta própria ou na rede privada – aos tratamentos hormonais de readequação sexual. Para que a rede pública ofereça essas substâncias, será preciso desenvolver um protocolo complicado.

Muro do Creas da Diversidade do DF, grafitado por travestis e transexuais com mensagens de empoderamento (Foto: Secretaria de Trabalho e Direitos Humanos do DF/Divulgação) Muro do Creas da Diversidade do DF, grafitado por travestis e transexuais com mensagens de empoderamento (Foto: Secretaria de Trabalho e Direitos Humanos do DF/Divulgação)

 Muro do Creas da Diversidade do DF, grafitado por travestis e transexuais com mensagens de empoderamento (Foto: Secretaria de Trabalho e Direitos Humanos do DF/Divulgação)

“São substâncias que têm efeitos colaterais, geram risco de câncer. Estamos pesquisando o que a gente já tem na rede e o que a gente não tem, para padronizar. Muitas pessoas já se hormonizam por conta própria e, aí, a gente vai oferecer orientação”, explica Ibanes.

Em um primeiro momento, esses hormônios e medicamentos auxiliares terão de ser comprados pela própria Secretaria de Saúde, por licitação própria. Para receber esses insumos do próprio Ministério da Saúde – a exemplo do que ocorre em São Paulo, Goiânia e Recife, por exemplo –, é preciso cumprir uma série de pré-requisitos que, no momento, estão distantes da realidade do DF.

Ao longo dos últimos três anos, o G1 acompanhou outras três conquistas da população LGBT do Distrito Federal: a criação de uma delegacia especializada no combate a crimes de intolerância – que também lida com questões raciais, religiosas, de deficiências e da velhice –, a adoção do nome social no serviço público e a regulamentação da lei anti-homofobia.

“É algo que está sendo construído, e a gente sabe que é uma cultura. Não dá pra dizer que todos os órgãos, todos os locais têm esse respeito. A gente não é ingênuo”, diz Brebis.

Em todos os casos citados, houve reação por parte da bancada religiosa na Câmara Legislativa e de setores conservadores do DF. Os deputados distritais chegaram a derrubar a regulamentação da lei anti-homofobia, e a polêmica deve ser resolvida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Falta muita coisa. Nessa primeira leva de entregar, a gente ainda está indo atrás dos marcos regulatórios. Não há leis no Brasil que protejam o LGBT contra a LGBTfobia. A lei de 2000 passou 17 anos engavetada, o projeto do [deputado distrital] Ricardo Vale que prevê a coleta dos dados de violência contra os LGBTs está tramitando”, enumera o coordenador de Diversidade.

“Eu tenho um histórico na militância e te digo, estamos há 20 anos nas ruas pedindo [direitos iguais]. Em termos históricos, é muito recente, é pouco.”

Os avanços, embora importantes, não escondem a série de desafios que travestis e transexuais ainda enfrentam no dia a dia. Entre os gargalos principais, estão o alto índice de abandono escolar e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho.

“Acho que não veremos isso ainda nesse mandato, mas há que se pensar em uma agência de trabalho para a questão LGBT, especialmente a pessoa trans. Uma central de informação, capacitação e empreendedorismo”, diz Brebis.

“A gente sabe que o conservadorismo é forte, mas não podemos nos barrar por isso. Foram 112 mortes de transexuais e travestis no Brasil em 2017, até agora. No ano passado, foram 144 trans mortos, e 343 LGBTs ao todo. São dados de guerra.”

Israel Carvalho

Israel Carvalho é jornalista nº. DRT 10370/DF e editor chefe do portal Gama Cidadão.

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